Rua Quinze de novembro pouco movimentada. Acordo e, ainda deitada vislumbro a rua pela minha janela. Mesma vista na mesma perspectiva que tive durante 25 anos. Obviamente alguns elementos da paisagem mudaram, como a árvore de magnólia que existia agora no inexistente jardim da frente. A escola de idiomas que agora é uma igreja cristã coreana.
Ainda deitada, choro. De nostalgia. Algumas sensações que me marcaram no passado.
Como quando eu ficava inclinada na janela sentindo o cheiro de poeira que a chuva levantava. Como teve um dia específico que sentei na garagem e apreciei o degradê laranja e azul que pintava o céu quando resolvi desenhar o prédio de trás de casa. O caminho que fazia dia sim, dia não para ir ao bunkyo. Os acordes do piano aos sábados, escutando Satoshi ter aula com minha tia. As noites quentes e abafadas que me obrigaram a deitar no chão de azulejo do meu quarto escutando os grilos no jardim da frente que hoje foi desfeito e está coberto de cimento. Os extensos minutos que passara sentada no degrau da área de serviço observando as pétalas do pé de Umê cair não só no jardim mas invadir todo o resto do quintal.
São coisas tão pequenas em comparação com outras centenas de vivências intensas que tive, mas ainda assim tão mais marcantes para o meu eu do passado.
Me agarro cegamente a essas sensações nostálgicas. A essas memórias que provavelmente foram levemente alteradas pelo meu cérebro. E relembro-as com muito mais frequência do que gostaria.
Penso em como eu era nessa época. Não sou mais a mesma pessoa. Sinto que perdi algo que existia em mim em algum momento da minha vida no passado. Alguma parte de minha essência. E definitivamente não sei o que é, independente do quanto eu matute. Talvez seja esse motivo que me faça voltar ao passado em uma frequência absurda.
Será que daqui a alguns anos eu vou parar de viver no passado? E é ironicamente engraçado como misturo o futuro com o passado e descarto o presente.
Mas, escrevendo do notebook olhando para a mesma paisagem de minha janela, digo com propriedade de que definitivamente estou sem rumo e com crise de identidade.